Pela valorização e respeito à cultura caiçara
Da mescla entre índios e portugueses na época da conquista e, depois, da colônia, nasceram os caiçaras. Eram os mestiços que viviam fora dos centros urbanos, muitas vezes em aldeias cercadas por varas – por caiçaras – e à beira- mar. Das águas tiravam seu sustento, nas águas tinham seu trabalho.
Daí, de tão longe, vem a cultura caiçara, espalhada por todo o litoral paulista, mas concentrada principalmente na parte norte, num amplo leque aberto ao redor de Ubatuba.
Essa cultura, rica como todas as culturas nascidas da diversidade e do en- contro de raízes que formam a identidade do povo brasileiro, foi pesquisada ao longo de quase meio século (entre 1960 e 2005) pela professora Kilza Setti. Ela recolheu histórias, canções, registrou hábitos, costumes e tradições, num acervo rico e minucioso que agora – com o patrocínio da Petrobras – é digitalizado, transcrito e catalogado, para se tornar fonte permanente de consulta não apenas da população caiçara, mas de pesquisadores e estudantes interessados na traje- tória e consolidação dessa vertente da história da formação do povo brasileiro.
Maior empresa e maior patrocinadora das artes e da cultura em nosso país, a Petrobras tem posto, em sua política cultural, empenho especial em preservar, registrar e difundir nosso patrimônio.
Afinal, a memória de como nós, brasileiros, fomos formados nos pertence, deve ser conhecida e divulgada. Justamente por apostar no futuro, por ter como missão primordial contribuir para o desenvolvimento do Brasil, a Petrobras preza rigorosamente o passado e suas tradições. Sabendo como éramos, conhecedores da trajetória que percorremos até aqui, conscientes de como fomos forma- dos, melhor estaremos preparados para aproximar o futuro. Isso vale para os caiçaras e para todas as comunidades étnicas e culturais que compõem o povo brasileiro. Vale para todos nós.
O Projeto Acervo Memória Caiçara tem como objetivo principal valorizar o patrimônio imaterial caiçara, divulgar valores culturais ancestrais das regiões litorâneas, formar novos pesquisadores e estimular e capacitar os jovens cai- çaras a desenvolverem ações voltadas ao registro, preservação e divulgação de sua cultura.
Falar em cultura pressupõe entendê-la não de modo estático, mas dinâmico, ou seja, abrigando mudanças e adaptações, sem, entretanto, perder seu foco identitário. A preservação da cultura de um povo só é possível se estiver também garantida a preservação das condições de vida e dos recursos de subsistência desse povo, encontrados em seu meio ambiente. É impossível referir-se ao patri- mônio cultural desvinculado da noção de patrimônio ambiental, pois este, quando desintegrado, não permite a continuidade de padrões culturais de uma determi- nada população, isso quando não extingue totalmente as formas de vida.
A faixa litorânea do Brasil sudeste exibe belo recorte de baías, morros e praias, contemplados pela cobertura da Mata Atlântica. Aí se inclui o litoral de São Paulo, que tem recebido grandes contingentes de visitantes e novos moradores, atraí- dos, sobretudo, pela beleza da paisagem e pelo uso das praias. Em geral, nesse uso do espaço, as populações nativas e sua cultura passam despercebidas, ou mesmo, ignoradas.
Neste Projeto, definem-se como povos caiçaras os que nasceram e habitam o litoral sudeste do Brasil. No caso do litoral paulista, mesmo com a progressiva valorização das terras após 1970, as populações caiçaras conservam muito de sua cultura ancestral.
Apesar da perda de seus espaços, destinados, desde então, a empreendi- mentos imobiliários e turísticos; da perda de seus bens vitais como pesca, lavou- ra, caça e coleta; apesar da dissolução dos antigos bairros – com conseqüente apagamento de sua fisionomia cultural – o caiçara mantém ainda, não como relíquia, mas como elemento cotidiano de coesão, suas práticas musicais, reli- giosas, seu linguajar, enfim, seus bens culturais vernáculos.
As unidades básicas do saber caiçara continuam vivas, num processo que se realimenta pela oralidade e reintegra grupos de jovens em ações de salvaguarda desse saber, que é, afinal, seu elemento identificador.
Desde os primeiros anos do século 21, tem-se notado um movimento de re- tomada dos valores culturais da tradição caiçara, surgido espontaneamente entre a população jovem do município de Ubatuba. Esse fato veio reanimar uma antiga idéia de organização do Acervo Memória Caiçara e decidiu-se investir esforços para torná-la realidade.
O acervo inicial do Projeto é constituído por material recolhido principalmente no município de Ubatuba, embora se incluam também importantes registros de Caraguatatuba, São Sebastião, Ilhabela, Bertioga, Guarujá, Iguape e Cananéia.
O acervo apresenta a diversidade de suportes documentais característica da contemporaneidade. Os registros sonoros – depoimentos, festas e músicas – foram digitalizados na íntegra e constituem o foco principal do projeto. Integram ainda, o acervo, registros de imagem fixa (fotos, mapa da região estudada) e em movimento (filmes em DVD), além de manuscritos, impressos e publicações.